segunda-feira, maio 31, 2004

A Última Noite


A noite em Jeri tem dois ou três locais de eleição (atenção que esta não era a época alta - talvez noutra altura seja bem mais activa).

O primeiro é um barzinho mesmo de frente para a praia, onde, após subirmos umas escadas de madeira, acedemos a um terraço a céu aberto, com bancos de pé alto e um balcãozinho a toda a volta da estrutura, contemplando o mar, a rua, ou os coqueiros. É uma área onde se pode falar e beber, acompanhados por uma música variada mas sempre com o volume baixo, sem perturbar as conversas, e mesmo deixando ouvir a música do bar ao lado.
Foi neste bar que descobri as músicas "Proíbida pra mim" e "Babylon" (esta última que associei de imediato ao Blog da MJM), cantadas por Zeca Baleiro (que então desconhecia). A guia tratou de me inteirar de todo o percurso deste autor e de outro, Zeca Pagodinho (será que todos eles são Zecas?), mais tradicional, com letras igualmente deliciosas, mais viradas para o samba.

O segundo local, mesmo em frente, no outro lado da rua que vai dar à praia, chamava-se "Planeta Jeri", e começava sempre com música ao vivo - sempre ao ar livre.
Nessa noite, após abandonarmos o terraço do primeiro, transferimo-nos para este e acompanhámos a voz quente e forte de uma mulata e do seu acompanhante, cantando êxitos vários (a pedido e tudo), de samba, bossa nova e pop brasileiro contemporãneo.
Depois da meia noite começava a pista de dança, já lá dentro, com as músicas internacionais do momento e com outras mais retro (ou talvez fosse a noite do Disco...).

Às 2:00 já não havia grupo: uns haviam regressado ao hotel há muito; outros ficaram sempre no outro bar; outros permaneceram neste último até ao fim (4:30/5:00); e outros decidiram experimentar algo.
Perto da entrada do hotel ouvia-se um outro tipo de música: forró!
"- Onde é o forró?" - perguntei à guia.
Cansada, disse-me que era aí a uns 100 metros dali, mais acima, já bem dentro da vila.
Não foi difícil convencê-la e às minhas colegas a ver como era: "- então, hoje é a última noite! O único forró que vimos foi o do Pirata, muito giro mas tudo trabalhado. Não querem ver o tradicional?" - e lá fomos.

Este terceiro local parecia um arraial de Sto António.
Tudo ao a céu aberto, havia uma zona de mesas para o petisco e para as bebidas, coberto por um frágil alpendre; uma zona de bar ao balcão; e a zona de dança, sem banda, mas com espaço reservado para tal.
Casais dançavam colados um ao outro, segundo o ritmo da música, mais calmo ou mais acelerado conforme o tema.
Numa área do topo, juntavam-se as moças à espera de par; os moços ficavam-se pelo bar.
E na pista, surpresa total, dois dos meus colegas que haviam desaparecido há muito lá debaixo, dançavam animadamente com duas locais! E que bem que eles estavam.
"- Aprende-se num instante!" - gritava-me um.
"- São só três passos" - dizia-me o outro.
Mas fiquei-me pelo bar, com o resto do pessoal. Já não aguentava muito mais.

Às 3:00 uma das colegas lembrou-me: "- Não te esqueças da chuva de meteoritos!"
Pois era. O barman do primeiro local dissera-nos que entre as 3 e as 4:00 ia haver uma chuva de meteoros visível em toda a costa do Brasil.
Voltámos para a praia, deitámo-nos na areia, e olhámos o céu, espectantes.
"- Alguém trouxe as caipirinhas?" - ouviu-se. Todos riram. Mas tinham mesmo trazido!
Foi uma chuva muito fraca, aqui e ali passavam umas fugazes estrelas cadentes - nada de extraordinário ou de apocalíptico como eu estava à espera.
"- Sabem que se olharmos para este céu e imaginarmos que o estamos a ver de cima e não de baixo, ficamos com a sensação de que estamos a flutuar no espaço?" - afirmei.(*)
Ouve um momento de silêncio, como se estivessem a testar a minha teoria, e depois os comentários vieram em força:
"- Isso já são as caipirinhas a fazer efeito!"
"- Vê lá se flutuas até à cama, que eu não me consigo levantar!"
"- Tens razão!!!"
"- 'Tás é a ver estrelas!!"

Não me lembro como fui para o hotel, mas sei que acordei por volta das 8:30, com uma bela dor de cabeça, na minha caminha (cheia de areia!), e ainda de chinelos nos pés...

Depois disto tudo, após uma manhã de compras nas lojinhas da vila, regressámos de autocarro ao Resort original (a sul de Fortaleza), após 7 horas de caminho, quase sempre a dormir. À noite fizémos ainda uma festa de homenagem ao Chefe pela organização desta viagem, onde fui eu a botar discurso.

O dia seguinte, o último da nossa estadia no Ceará, passou-se já sem aventuras para vos contar, só a preguiçar estendido ao sol, mergulhando nas águas quentes da piscina, e saboreando as últimas capirinhas...

Este foi o meu último post sobre a viagem ao Brasil. :-)


PS: (*) isto é mesmo verdade - experimentem, mas num sítio onde não haja luz de candeeiros de rua. Depois digam-me se não é mesmo assim. ;-)

domingo, maio 30, 2004

Lagoa do Paraíso


Depois de cerca de uma hora de caminho por estradas de terra vermelha (contraste fabuloso com a imensa folhagem verde das árvores e arbustos daquela zona), como se a zona das dunas e da praia pertencesse a outro planeta, e com o buggy, sempre aos saltos, a roçar perigosamente quer os ramos, quer as cercas de propriedades privadas que por ali abundavam, chegámos à Lagoa do Paraíso por volta das 13:00.

O nome faz-lhe inteira justiça: é uma lagoa imensa, de água-doce, cercada a toda a volta por areia fina e branca, e rodeada alguns metros mais atrás por toda a espécie de árvores.
Esta mesma lagoa acaba por ter vários nomes, conforme o sítio de onde a observamos, tal é a sua grandeza.
Mas neste local em particular, uma praia privada de infrastruturas criadas por um francês, e agora pertença de (mais) um português, o nome Paraíso adequa-se perfeitamente - e ainda mais se adequou à nossa experiência nessa tarde.

Devíamos só ter parado ali para almoçar, mas acabámos por ficar lá até anoitecer (pouco depois da 17:00).
Depois de nadar, tirar fotografias e beber mais umas caipirinhas, sentámo-nos em grupos de seis à volta de mesas de nadeira à sombra de chapéus enormes de folha de coqueiro ou de palmeira, e deliciámo-nos o resto da tarde a comer lagostas e camarões, bolinhos de queijo e de peixe, acompanhados sempre por garrafas de cerveja servidas numa espécie de termo para manter a sua frescura. Foi simplesmente divinal - e marcou as conversas daí até ao fim da nossa viagem.

No caminho de volta, já de noite, aconteceram várias peripécias: um buggy perdeu-se e outro atolou-se numa das várias lagoinhas que interrompiam a estrada. No tempo que o nosso buggy ficou parado à espera dos retardatários, ficámos deitados no chão arenoso, aqui já coberto de alguma erva, a contemplar o céu estrelado por cima de nós. É das imagens mais vivas que ainda carrego na minha memória (e só aí porque foi excusado tentar apanhar tão belo cenário nas câmaras fotográficas - nunca resultou).

Muito cansados, chegámos a Jeri pouco depois das 20:00. Mais uma vez, alguns não resistiram ao jantar e foram logo para o hotel.

Mas um grupo decidiu que a última noite teria que ser inesquecível.

(continua dentro de momentos...)





sábado, maio 29, 2004

Impulsos


Proibida pra mim

Ela achou meu cabelo engraçado
Proibida pra mim no way
Disse que não podia ficar
Mas levou à sério o que eu falei.

Eu vou fazer de tudo que eu puder,
Eu vou roubar essa mulher pra mim
Posso te ligar a qualquer hora
Mas eu nem sei seu nome!

Se não eu, quem vai fazer você feliz?
Se não eu, quem vai fazer você feliz?

Eu me flagrei pensando em você
Em tudo que eu queria te dizer
Em uma noite especialmente boa.

Não há nada mais que a gente possa fazer,
Eu vou roubar essa mulher pra mim
Posso te ligar a qualquer hora
Mas eu nem sei seu nome!

Se não eu, quem vai fazer você feliz?
Se não eu, quem vai fazer você feliz...?

Charlie Brown Jr.
________________

Ontem comecei o dia a ouvir esta música triste, com música de Z. Baleiro, no CD do carro. De repente, parecia que o Brasil tinha acontecido há ano, e eu tinha sido de novo apanhado pelo quotidiano cinzento e amorfo do costume.
Mas durante o dia, por entre incontáveis tarefas e reuniões, lá me fui erguendo, escrevendo, espantando esses demónios - esses Velhos do Restelo pessoais.

E então aconteceu o que nunca antes acontecera: tomado por um impulso, convidei alguém para sair, para falar, para dar uma volta - nada de mais.
Depois de clarificar alguns pontos importantes (nenhum de nós ser Serial Killer, não pertencer a seitas satânicas, nem ser bruxos com verrugas e sem uma perna), lá consegui raptar a gatinha, tirá-la do seu mundo de periquitos demoníacos, e levá-la à Feira-do-Livro.

Hoje, no blog da MWoman, ela fala sobre a não tomada de decisão: que mais vale decidir uma coisa errada do que pura e simplesmente não decidir nada. E dos medos que as pessoas têm em efectuar escolhas, em decidir.
Na minha vida profissional, a toda a hora tenho que decidir, a bem ou a mal, mas não posso ficar inerte, sob pena de falhar completamente.
Na minha vida pessoal não tem sido assim: racionalizo demais, analizo em excesso, e perco-me em pensamentos (se bem que, olhando para trás, as coisas mais importantes da minha vida foram decididas sob stress, em pouco tempo, e com sucesso).
Ontem não - o impulso, a intuição, a necessidade de não estar sozinho (e o facto de estar possuído pelos demónios - endiabrado), levaram-me a agir.
Claro que do outro lado alguém teve coragem e tomou também uma decisão por impulso, na hora.
E em boa hora o fizémos!

Podia ter sido um fracasso? Podia. Podíamos não ter assunto para falar, podíamos ser execráveis ao olhar do outro, podíamos nunca mais visitar os blogs um do outro no futuro. E isso era grave? Grave seria não o fazermos, e nunca saber!

Houve um pedido de ajuda e alguém respondeu.
E, sendo totalmente egoísta, salvou o meu dia!

E vocês, como estão de impulsos? ;-)

sexta-feira, maio 28, 2004

O Barqueiro


Na 1ª manhã em Jericoacoara, depois de um pequeno almoço divinal tomado bem junto à praia, debaixo de uma árvore imensa, trocámos o jipe pelo buggy e lá fomos nós à aventura.

Primeiro seguimos pela praia, bem cedo, atingidos por uma chuva miudinha misturada de areia pelo vento, que aleijava a cara, e impedia a visão total da paisagem.

Passámos por vários grupos de pescadores, alguns já com o resultado da sua pescaria, quer fossem camarões ou raias enormes já esquartejadas, prontos a vender ou mesmo a consumir (tinham fogareiros ali ao lado, não sei se para o petisco, se para aquecimento). Mas a chuva não nos deixou parar.

Chegados a uma das aldeias de pescadores, virámos para o interior, em direcção às dunas gigantes que se perfilhavam já no horizonte.

Que dizer? Imaginem um deserto de areia, aos altos e baixos, mas aqui e ali pequenos oásis de coqueiros e outras árvores, arbustos e pequenos lagos.
De início o nosso condutor acelerou ao máximo pela trilha, fazendo-nos saltar ininterruptamente, agarrados com a máxima força aos varões do buggy.
Mas depois dirigiu-se para uma duna imensa à nossa frente e subiu-a a custo, cada vez mais lentamente até chegar ao topo.
Lá em cima deparámo-nos com o precipício: a duna descia quase a pique, e nós com ela - o tipo engatou uma mudança e lá fomos nós!
"- Quais montanhas russas, quais quê - isto é que é radical!!!" - gritava o meu colega do lado, cheio de areia na cara.
A esta seguiu-se outra e outra, mais pequenas, mas com o mesmo efeito.

Até que finalmente chegámos àquela que nem o buggy poderia enfrentar: a sua descida acabava numa lagoa (a lagoa do coração, chamada assim devido à sua forma).
E lá fomos nós, um a um, sentados numa prancha de madeira, fazendo esqui na areia, acabando com um mergulho nas águas cálidas da lagoa.
Depois de umas braçadas e uns mergulhos, faltava o mais difícil: subir a pé aquela imensa massa de areia - uma eternidade!
Por piada, o pessoal que alugava a prancha dizia que a descida custava 3 Reais (+- 1 Euro), mas a subida era oferta (LOL).

Eis-nos de novo em marcha, de buggy, em fila indiana, em direcção à próxima paragem: Lagoa Azul.
Agora deixáva-mos o mar e as dunas para trás, e entrávamos numa área mista, com o chão de areia, mas povoada pelas mais diversas espécies de flora e fauna, e sempre com as águas de uma qualquer lagoa por perto.
Chegados à margem da Lagoa Azul, abandonámos o buggy.
Agora era preciso chegar a uma ilhota paradisíaca que existia no meio do lago de águas azuis transparentes. Para isso, teríamos que ir a nado ou apanhar a barcaça ali existente. E foi isso que fizémos.

Para quem leu Gil Vicente ("Auto da Barca do Inferno") ou estudou a mitologia grega, a ideia de uma barca que atravessa um curso de água para chegar a um destino semi-desconhecido (sabemos o que é mas não como é), tem todo o cabimento aqui - e foi essa associação que fiz de imediato ao ver aquele barqueiro (o nosso Caronte, súbdito de Hades).

Era uma figura inesquecível: de estatura média, super-musculado no tronco e braços, mas com umas pernas atarracadas; a pele vermelha/ocre engelhada pelo excesso de sol; a boca rasgada - imensa, de dentes amarelos enormes, com os lábios gretados do calor; e uns óculos escuros modernos, desses que se vendem nas praias, que impediam de ver a cor dos seus olhos. A rematar, um chapéu à Indiana Jones!

Nunca disse uma palavra nas quatro viagens que teve que fazer para passar toda a gente, embora murmurasse no regresso vários palavrões, devido à luta titãnica que levava a cabo com a corrente e ao peso excessivo da barca carregada de turistas.

Já depois da travessia do meu grupo, enquanto esperava pelos outros, olhava para o meio da lagoa, para aquela barcaça cheia de gente, impulsionada pelo esforço sobre-humano daquele homem e da sua vara que me parecia frágil demais para aquele serviço, e pensava como era irónica a semelhança com a mitologia, excepto a parte final: é que não nos estávamos a dirigir para o Inferno mas para um pequeno Paraíso na Terra.


quarta-feira, maio 26, 2004

Curiosidades


Na revista brasileira Veja, edição de 12 de Maio de 2004, saiu um artigo com o título "Virtual? Que nada...".

O artigo fala principalmente de pessoas que tiveram (ou ainda têm) blogs e que ficaram famosos, partindo depois para a publicação de livros, participação em entrevistas, programas de TV, etc.

Entre eles destaca-se um arquitecto iraquiano que criou um blog para contar o seu dia-a-dia em Bagdad, e acabou a fazer relatos da invasão americana. O seu sucesso foi tão grande que acabou a colaborar com o jornal inglês The Guardian, e depois escreveu um livro "O blog de Bagdad". Ele nunca mostrou o rosto, nem o seu verdadeiro nome.

Outra famosa foi Brenda (também nunca divulgou o nome verdadeiro nem admite fotografias), que falava sobre sexo e drogas. Uma editora inglesa pagou-lhe 20 000 USD$ para transformar os seus textos no livro "The World According to Mimi Smartypants". Ficou conhecida como a Bridget Jones de Chicago.

Mas o mais famoso de todos foi um turco de nome Mahir Cagri, que criou um blog sobre um personagem histriónico, representado em dezenas de fotos, e que era visitado pelo David Bowie, Julia Roberts e Brad Pitt. Dizem as más línguas que o inglês utilizado era de bradar aos céus... Em 2000 ele entrou para a lista dos mais famosos da revista Forbes, e no ano seguinte entrou para o Guiness devido aos 50 000 acessos ao seu blog!!!

Mas a nota mais importante e algo surpreendente (para mim), foi o conteúdo de uma caixa de texto sobre estatísticas sobre os blogs:

- Em 2000 existiam 136 000 blogs. Até ao fim deste ano, deverão ser 10 Milhões!;

- 51,5% dos bloggers têm entre 13 e 19 anos de idade!;

- 56% são mulheres!;

- 26% dos blogs não duram mais do que um dia (a duração média dos que sobrevivem está em menos de um ano)!;

- e 66% não foram actualizados nos últimos dois meses.

Tinham noção disto?
Espero que as minhas visitas femininas não tenham a ver só com a desproporção numérica (LOL).
E que pensam da ideia de publicar um livro com os textos dos blogs?
Devo confessar que antes mesmo de abrir o Spot Me! já achava que muitos dos textos de alguns blogs deviam ser publicados.

Enfim, curiosidades...

Rafael


Saímos da Praia das Fontes de manhã bem cedo, em grupos de 5, cada um em seu jipe.

Seguimos por estrada até Fortaleza, a 90 Km dali, onde parámos para um primeiro abastecimento, esticar as pernas, levantar dinheiro, etc.

A partir daí, seguimos sempre junto ao mar, em direcção ao norte, a Jericoacoara, a cerca de 400 Km de distância.

Passámos ribeiros, dunas e outros obstáculos com uma facilidade só possível devido à experiência dos nossos guias e condutores.
O do meu jipe era Índio, certificado pela FUNAi e tudo - era ele que conduzia a caravana. Era um sujeito baixo, entroncado, cabelo muito curto, e uma pele algures entre o castanho, o vermelho (talvez ocre?), e o bronze.

A meio da manhã, numa das praias, observámos um bando de abutres (urubús ou carcarás), voando em círculos sobre um determinado ponto. Já mais perto, percebemos que outro bando já se deliciava com um manjar macabro: uma tartaruga marinha gigante, já sem olhos e putrefacta (morta de velha, segundo o guia).

Ao fim da manhã chegámos a Lagoínha, uma praia magnífica de coqueiros altos e frondosos, onde parámos para almoçar.
Impossível resistir àquela água quente e transparente, que chegava mesmo às mesas da esplanada.

No fim do almoço apareceu o Rafael, miúdo de 11 anos, sujo como breu, a vender cocada (doce de côco, açúcar e leite condensado).
Perguntou-me se podia comer as batatas fritas que eu não quisera, ao que acedi. Mandei-o sentar, e servimos-lhe a bandeja de peixe que tinha sobrado. Comeu um e pediu para mandarmos embrulhar os outros para a família.

"- Quantos irmãos tem você, Rafael?" - perguntei.
"- Nove!" - responde. "- Aqui todo o homem é corno! Meu pai é corno! Meus irmãos são filhos de vários pais! Aqui a mulher não pára quieta - você quer uma mulher?"
As minhas colegas olharam, escandalizadas. Os colegas riam-se, deliciados.
Mudei a conversa:
"- O que você quer ser? Jogador de Futebol?"
"- Quero ser advogado!" - respondeu de imediato "- Ganham muito mais!".
"- Mas para isso você precisa estudar muito, e mentir bem!" - disse, meu a sério, meio a brincar.
"-Toda a manhã eu vou à escola" - respondeu "- E você acreditou que eu tinha nove irmãos, não acreditou?".
Sorri em silêncio.
"- Você tem futuro, Rafael!".
Depois, tirei-lhe uma fotografia, com a promessa de enviá-la para ele através da guia, mais tarde.
"- E caderninho? Você manda caderninho para mim?" - perguntou.
"- Eu vou enviar a foto por correio electrónico - não posso mandar o caderninho" -respondi.
Situação remediada de imediato, quando o resto do pessoal comprou as cocadas por um preço superior ao pedido.

No fim do almoço, voltámos ao caminho. Mais sete horas de viagem até chegar ao destino final, já de noite, e com duas paragens para descansar no caminho, mas agora sempre em estrada, uma vez que a maré cheia impedia que continuássemos à beira-mar.

Nessa noite ainda fomos jantar (alguns não resistiram e ficaram no hotel) e perdemo-nos na noite de Jeri.

Mas esse relato fica para amanhã.


PS: Assim que cheguei a Portugal, enviei a foto do Rafael para a guia, e ela já respondeu a dizer que na próxima semana tem nova excursão, e vai entregar-lha nessa altura.

segunda-feira, maio 24, 2004

O Pirata!


Todas as segundas, é no Pirata Bar onde se consuma o mais alegre e devastador motim contra as tristezas e frustrações: “A Segunda-Feira Mais Louca do Mundo”.

Na Praia de Iracema, bairro antigo de Fortaleza, repleto de casarios, luzes, engarrafamento, gente bonita... 20 horas, vai começar a grande festa do Pirata.

A noite inicia-se ao som da sanfona, triângulo e zabumba, com o mais legítimo e tradicional forró pé-de-serra, xote, baião e arrastapé; um eterno São João.

À meia noite, a nau Pirata pega fogo, quando o forró elétrico da Banda do Pirata bota todo mundo pra pular numa grande e eclética fogueira de ritmos: forrobodó, xaxado, carimbó, axé, pagode, salsa etc.

Às 4 horas, no convés do navio, o Sopão da Madrugada é servido gratuitamente para recompor as forças e as energias dos sobreviventes.
No entanto a festa não terminou...
No palco, à beira-mar, o som vai do samba à Música Prapular Brasileira, até o sol raiar...

O Pirata mudou o calendário das marés, fazendo da segunda-feira o dia oficial do forró, símbolo da alegria e irreverência cearense.


O Pirata é tudo isto e muito mais - e não há palavras suficientes para descrever o calor, a música, os corpos suados, a dança, a atmosfera - mesmo a chover!!!

Para mais detalhes, visitem O Pirata!. Se acederem ao Flash Pirata, e escolherem o dia 17/05, poderão ver algumas fotos dessa noite, e de muitos dos meus colegas - felizmente eu não apareço: estava lá no meio da multidão a tentar acompanhar a coreografia da banda.

O mais engraçado disto tudo, é que o dono e criador deste bar é um Português que foi para o Brasil para tentar fazer fortuna com as lagostas, faliu, e depois teve esta brilhante idéia - hoje ninguém o pára!

Foi mesmo a Segunda Feira mais louca da minha vida! ... Ou então foi apenas o efeito das incontáveis caipirinhas dessa noite... E o facto de às 7:30 da manhã ter que estar de pé para a próxima aventura!

Mas essa fica para o próximo Post.

;-)

domingo, maio 23, 2004

Cheiro, Cor e Sensações


O cheiro da terra vermelha molhada, por entre a cor verde húmida das árvores e arbustos;

O cheiro do mar trazido pelo vento quente, por entre imensas dunas de areia de cor branca;

O cheiro do ar abafado, povoado por mosquitos e poeira, debaixo de um céu de cor azul pintado por núvens de cores cinzenta e branca.

A cor das estrelas do hemisfério sul, a via láctea que finalmente reconheci destacando-se do manto negro do universo, numa sensação de abismo e pequenez face ao infinito.

A cor da pele dos nativos, tisnada pelo sol e marcada pelo vento, numa sensação de fusão total com o ambiente em redor.

A cor da água, transparente nas grandes lagoas, quase castanha na beira do mar, numa sensação de frescura e calor em simultâneo.

A sensação do suor escorrendo pelo corpo a toda a hora, expulsando tudo o que havia acumulado de mal nos últimos anos.

A sensação de ver uma morena a dançar colada ao seu par num baile de forró, fazendo esquecer por completo a necessidade do acto sexual.

A sensação de paz, deitado na areia da praia, noite inteira, olhando a Lua, esperando o nascer do sol no oceano atlântico.

A sensação de desenhar o teu cheiro na cor da areia molhada da praia.

___________

Oi! Estou de volta!

Estes são os meus pedaços de mundo - os que gravei em mim próprio e não só em fotografia.

Mas, com a bagagem de sons, cheiros, visões, experiências que trago, este blog estará repleto de Posts acerca desta viagem nos próximos tempos.

Obrigado pelos comentários ao meu post anterior - já, já estarei entregando mais pedaços de mundo pessoalmente!

Beijos&aBraços

sexta-feira, maio 14, 2004

Até sempre!


Hoje vou para o Brasil.

Eu e mais cerca de 20 colegas da empresa - é o nosso prémio pelos resultados do ano passado.
Vai ser cansativo, mas muito divertido! E revigorante, espero.

Vamos ser motivados para mais um ano que se afigura difícil. Vamos criar relações mais próximas, extra local de trabalho. Vamos exprimir opiniões sobre outros assuntos que não os profissionais. Vamos expelir as toxinas acumuladas durante 12 meses de Stress. Participar nesse exercício de catártese que é beber até cair e falar sem medo do que possa sair!!! (LOL)

E depois faremos as malas e regressaremos.

Uma semana depois já estará tudo na mesma. Alguns já não se olharão de frente. Outros já clamarão que estão a precisar de férias. E tudo voltará à rotina do Business As Usual até para o ano (se puder ser...).

É por isso que vou levar a minha máquina fotográfica e encher a sua e a minha memória de fotos para o meu álbum pessoal.

Para poder olhar mais tarde e lembrar os bons momentos quando estiver mal.
Para mostrar aos amigos e enviar para a família quando estiver bem.

Sim, trarei pedaços de Mundo para todos!!!

Até sempre!


PS: quem me conhece, sabe que eu preferiria ir passar um mês no Tibete ou no Nepal, com os monges ou como eremita, para libertar a mente; ou ir para uma selva tropical húmida e ser raptado pelo último povo selvagem (de preferência só de mulheres!!) e perder-me para sempre da civilização. Mas é assim - até os destinos geográficos nos são condicionados... Talvez para ano??? Bjs ;-)

Traz-me Um Pedaço de Mundo


De ti
Que viajas como um louco
Por destinos formidáveis
Onde exóticas paisagens
E estranhos monumentos
Em ternuras ou tormentos
Transformados em imagens
Por processos insondáveis,
Peço-te apenas um pouco:

Traz-me um pedaço de Mundo!

Do Mundo
Que percorres sem temer
Onde vives dia-a-dia
Onde lutas frente-a-frente
Com os ogres mais horríveis
Com os magos mais temíveis
Nesse mundo cheio de gente
Que seus pecados espia,
Deixa-me apenas dizer:

Traz-me um pedaço de Mundo!

De mim
Que vivo no meu próprio mundo
Nesta virtual metrópole
Onde se sente com força
Onde se vive com o ardor
De corações cheios de amor,
Sem que o cérebro ouça
(Refugiado na acrópole)
Meu pedido mais profundo:

Traz-me um pedaço de Mundo!

Dou-te um pedaço de Mim...

PO 13/05/2004

PS: Inspirado pela MJM ;-)

quarta-feira, maio 12, 2004

Estou rouco.


Quase afónico, mesmo.
Não sei se foi de gritar tanto no último Post (LOL).

Agradeço os vossos comentários do fundo do coração - é bom ver que estão presentes e que participam nos maus e nos bons momentos que aqui descrevo.

Para quem chegou a recear que fosse fechar o Blog, estejam descansados, que isso não vai acontecer.

Este é o meu cantinho, o tal sítio só meu, o meu álbum privado de fotografias - fotografias da alma, que as do corpo deterioram-se com mais facilidade.
E neste canto todos são convidados a visitar-me - continuem.

Mas por hoje chega.

Não só estou rouco, mas sinto-me engripado.
Tenho que ir tratar disto já, antes que fique pior.

É que vou de viagem durante uma semana, e não posso ficar doente agora!
E por isso não se assustem se não virem Posts meus até dia 23.
Mas amanhã ainda terão notícias minhas.

aBraços e beijinhOs!

segunda-feira, maio 10, 2004

Momento de Glória


Chega de torturas mentais,
De processos infernais
De castigos da alma.

Basta de guerras e lutas,
Das mais inúteis disputas
Que me perturbam a calma.

Cessem os gritos de dor,
Os esgares de terror
Quem me ensurdecem a mente.

Acabem os sonhos escuros,
Derrubem-se todos os muros
Agora e para todo o sempre.

É chegada a hora:
Abro-me e deito fora
A putrefacta memória;

Enchendo o peito de ar,
Dentro de mim deixo entrar
O meu momento de glória.

E berra-me o coração,
Aberto de par em par:
"- Morde-te, Solidão!
Olha-me - estou a amar!"

PO 20/10/88

sábado, maio 08, 2004

Fotografia do Futuro


Estava aqui sentado, em frente ao écran do computador, com as mãos perto do teclado, a preparar-me para escrever, mas não saía nada.

Comecei lentamente a observar a área à minha volta.

A janela da rua de onde me chega a luz de um lindo dia de sol, e que me deixa perceber que está vento, pelo bailado das folhas das árvores.

Os meus livros favoritos e de consulta frequente: os poemas do Vinicius e da Florbela; a "Arte da Guerra" do Sun Tzu e os outros autores de Gestão, Marketing e I&T; e as minhas leituras mais recentes.

Os meus gadgets tecnológicos, como o palm-top, o MP3, a câmara digital, etc.

Os meus CDs do momento: Auf der Maur, Evanescence, Creed.
E os de sempre: Compay, U2, Leonard Cohen, Queen, R.E.M., Skunk Anansie, Sérgio Godinho, por aí fora...

Os CDs de informática, os manuais, os jogos, os DVDs, enfim, tudo o que é necessário para tirar partido do computador.

E depois cheguei à prateleira das "minhas" coisas: os poemas, os desenhos, os pensamentos, os contos, os diários, as fotos.

As fotos divididas em dois álbuns: Solteiro e Casado.

Comecei por folhear o primeiro, recordando a minha vida desde os primeiros anos até à véspera do casamento - só coisas boas: a família, os amigos, as namoradas, os animais de estimação, as brincadeiras, a escola, as férias, as ocasiões especiais, os primeiros trabalhos, o primeiro carro... Que saudades, que recordações...

Depois fui ver o segundo: estava vazio!
Ou melhor, aproveitei-o para guardar outras coisas, mas nunca mudei a etiqueta - estava cheio de outras coisas, coisas de trabalho, e não me lembrava disso.

Tenho, obviamente, um álbum e montanhas de fotos do dia do casamento.

Mas, e fotos do período de casado?
Onde estão elas?

Só temos fotos dos filhos: álbuns e álbuns dedicados a ele e ela, com tudo o que fizeram desde que nasceram até aos nosso dias! Numas apareço também, noutras apareces tu, mas onde estamos os dois?

Onde estão as nossas fotos de casados?
Onde estou eu contigo, apenas? Morremos? Ou apenas não estava lá ninguém para tirar a fotografia?

Onde estão as minhas fotos de casado?
O que me aconteceu nesse período?
Ou não vivi este tempo todo?

Contam-se pelos dedos das mãos as fotos onde estou sozinho ou onde estamos os dois - mas tenho a certeza que passámos bons momentos, que temos boas recordações para além dos nosso filhos, das férias, ou dos casamentos de amigos.

Onde está retratado o tempo que tivémos para cada um de nós como indivíduos?
E o tempo para nós dois, como namorados?

Talvez por isso o casamento tenha morrido?
Ou é isso a prova de que já estava morto há algum tempo?

Pega na máquina!

Temos que tirar mais fotografias!

Sem motivo!

Só os dois!

E ás vezes cada um, individualmente!

Ainda há esperança: Vamos fazer um álbum de casados!


...Até porque o meu álbum de solteiro não tem mais espaço ;-)


PS: há quase um ano que não usava Aliança - há uma semana que voltei a usar. Perdoem a pieguice...

quinta-feira, maio 06, 2004

Para quê chorar?

Pronto.
Já passou.
Não sei se foi da chuva ou não.
Se estava vazio ou semi-morto.
Se estou ausente ou presente.
Não interessa.
Há sempre outro dia.
Sempre!
Mesmo quando a nossa vida acaba.
O Sol volta a nascer para as outras vidas.

Para quê chorar?

Pra que chorar
Se o sol já vai raiar,
Se o dia vai amanhecer.
Pra que sofrer
Se a lua vai nascer,
É só o sol se pôr.
Pra que chorar se existe amor,
A questão é só de dar,
A questão é só de dor.
Quem não chorou,
Quem não se lastimou,
Não pode nunca mais dizer
Pra que chorar,
Pra que sofrer,
Se é sempre um novo amor
Cada novo amanhecer.


(Vinícius de Moraes/Baden Powell)

quarta-feira, maio 05, 2004

Chuva


Antes ficava triste quando chovia e o vento soprava com força.
Era um dia perdido, para mim.
Não tinha vontade de fazer nada.
Ficava melancólico.
Sentia-me só.

Se tinha que ir trabalhar ou estudar, era um sacrifício.
Se ficava em casa, o tempo esgotava-se sem que fizesse algo de proveitoso.
Às vezes ficava à janela a olhar lá para fora.
Era talvez a única coisa que me fazia sentir melhor.
Mas acabava por ficar deprimido.

Hoje está um dia desses.
Feio, chuvoso, ventoso e frio.
E no entanto lá fui para o trabalho de manhã.
E lá tive uma apresentação a clientes à tarde.
E aqui estou a escrever sobre o meu dia.

Ontem a esta hora ainda estava em Paris.
Chovia também.
Estava pior que aqui.
Mas não me senti pior por isso.

Aparentemente o clima passa-me ao lado.
Aparentemente não dou por ele.
Ignoro-o ou ele ignora-me a mim.

O Porto venceu ontem.
O Benfica está empatado com o Sporting.
O Carlos Cruz foi para casa.
Há 10 novos países na UE.
No Iraque continua a morrer-se.
Não me interessa.
As notícias não me dizem nada.
E eu não digo nada que seja notícia.

Estarei a ficar insensível ao mundo?
Será que nada cá fora me afecta?
Será que o real já não tem efeito em mim?

Pela primeira vez desde que comecei, até os blogs me pareceram fúteis.
Será que também o virtual já não me inspira?

Pareço um morto-vivo: o corpo aqui anda, mas a alma já não me habita.

Estou vazio...

...Ou é da chuva?

domingo, maio 02, 2004

Dia da Mãe


Quando eu nasci, ia matando a minha mãe.

Teve um parto complicadíssimo, sofrendo bastante durante esse dia e nos dias seguintes.

E também eu ia morrendo.

Fui tirado a ferros, a ventosa que então se usava queimou-me o couro cabeludo (fui operado um ano depois para remediar a situação) e estive vários dias na encubadora até poder ir para casa.

Eram outros tempos, não façamos disto uma drama.
Hoje falamos disto na família com alguma piada, como quando o meu avô foi à maternidade ver-me e não acreditava que eu era aquele, devido ao facto de paracer um bébé africano (LOL), tal era o meu estado.

Talvez por isso a minha ligação à minha mãe sempre foi muito próxima.

Principalmente da parte dela, que sempre me deu o máximo, me protegeu, me apoiou e me consolou em todos os momentos.
Ainda hoje o faz.

E eu retribuo à minha maneira, embora actualmente menos do que fazia antes - mas quando temos filhos os pais ficam para segundo plano (até um dia, em que tudo se inverte de novo).

Este fim-de-semana a minha mãe esteve cá em casa, e hoje fomos todos almoçar fora.

A esta hora já chegou à terrinha.

Fica bem, Mãe.

E obrigado por tudo.