sexta-feira, setembro 17, 2004

Universos Paralelos I


Quando a minha filha tinha quatro anos (hoje tem mais dez), estávamos a brincar no chão do seu quarto quando me perguntou:
-
Papá, quando morremos e vamos para o Céu, com que idade ficamos?
- Acho que Deus nos deixa escolher a idade que quisermos, provavelmente aquela em que fomos mais felizes. – respondi, mais para satisfazer a sua curiosidade do que para resolver a sua preocupação.
- Então acho bem que escolhas a tua idade actual, porque eu vou escolher agora como a idade mais feliz da minha vida. – replicou.


Tive que me levantar do chão, ir à casa-de-banho lavar os olhos e engolir em seco uma série de vezes até conseguir regressar à sua companhia.



Bem, em primeiro lugar tentem esquecer que isto foi uma conversa com uma criança de quatro anos de idade – não é normal. Tenho um outro filho com oito anos e, até hoje, nunca teve comigo um debate metafísico deste nível (embora expresse o seu amor de muitas outras formas).

Mas o que me fez pensar mais tarde foi a questão ali levantada: e se Deus nos deixar mesmo escolher a idade que preferimos?

O que escolheriam?
O que escolheria eu?
E até a minha filha, depois de se apaixonar ou de ter filhos, será que escolheria mesmo aquela idade?
Muito dificilmente.

A verdade é que eu próprio escolheria antes a idade em que brinquei com ela do que a idade em que brinquei com os meus pais.
Ou não?

Depois de uma vida inteira cheia de preocupações, desafios, escolhas, acidentes e incidentes, não escolheria eu antes voltar à minha infância? Ao tempo inocente em que a minha única preocupação era levantar-me o mais cedo possível para continuar a brincadeira da noite anterior?

Afinal, esta poderia não ser uma escolha assim tão fácil e óbvia.

(continua...)